14.3.08

Um jeito velho de falar

Por Perola Carvalho

"O papel do teatro como forma de despertar de consciência e das místicas que trabalhem a construção de novos valores - a construção do socialismo pressupõe essa mudança de valores, do individualismo à solidariedade, da competição à unidade e à coletividade"

Quando um sistema ou ideologia prioriza as relações de uso entre as pessoas, existe a necessidade de que elas apenas sintam e pensem o necessário a este sistema ou ideologia. Dispensam-se relações sinceras, e sufocam-se seus estímulos: entre eles, a arte. Se propusermos novas idéias e sistema sem questionarmos a mecanicidade das relações, qual é a revolução? As relações de uso existem em qualquer lugar onde não há igualdade. Uma empresa ou instituição lucra mais, ganha mais adeptos, quando impõe profissionalismo: padrões comportamentais. Os padrões, aceitos pelos funcionários ou adeptos em troca de inclusão, criam verdadeiras máscaras sociais. Segundo o teórico teatral Augusto Boal, as pessoas incorporariam seus personagens sociais não apenas profissionalmente, até por não ser, geralmente, uma interpretação consciente. Mas os interpretariam também em casa ou com a família e amigos. Essa interpretação própria das relações de interesse sufocaria a espontaneidade e as possibilidades de contato humano real. De acordo com Boal, as conseqüências psicológicas de tal opressão são mais nefastas que o lucrativo uso dos pobres pelos ricos.

Os socialistas são contra toda a opressão capitalista. Mas nem por isso deixam a condição de oprimidos; participam do sistema. Costumam propor idéias novas com discursos padrões e recheados de dogmatismo. Muitos gritam, repetem slogans de ordem da mesma maneira e têm uma triste tendência à impessoalidade; como a desse meu texto.

Como poderia uma metodologia discursiva e até cartesiana de muitos revolucionários convencer, por exemplo, jovens da periferia? A exclusão e o medo tornam a desesperança entre os jovens da periferia uma barreira quase intransponível. Dentre os que conheci na Chácara Bela Vista, comunidade de São Paulo, um demonstrou se sentir usado pelos "mauricinhos que querem aparecer a nossas custas"; disse referindo-se a alguns dos grupos atuantes na comunidade. São muitos os grupos que tentam convencê-los das mais diferentes idéias. E por melhor idéia que o socialismo nos pareça ser, tentar convencê-los a todo custo a serem socialistas ainda é usá-los. É enxergá-los como fiéis em potencial à nossas causas.

É, enfim, agir como um poder moralizante e, portanto, gerador de máscaras sociais quando eficaz, não de relações sinceras. Relações sinceras permitem a troca de saberes. E a troca é enxergar o outro como igual. Antes de se propor qualquer idéia a alguém é preciso enxergar este alguém. Este alguém já tem idéias. Se formos capazes de ouvi-lo ao invés de apenas discursarmos, saberemos quais.

Quebrar padrões mecanizados de expressão é também enxergar o outro. Mais,é enxergamos a nós mesmos. Ver, quem sabe, a fragilidade da máscara do formalismo, feita com o receio da exclusão. Ver, quem sabe, a possibilidade de agirmos com arte; no sentido de tratarmo-nos como seres que sentem e pensam muito mais que o necessário à revolução.

Perola Carvalho é estudante da Unifesp e militante da Juventude Novos Palmares

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