14.3.08

Os jovens de hoje: a alienação na forma de atuar

Por Edu Chammas

É comum ouvirmos afirmações de que os jovens de hoje são alienados, estão alheios aos acontecimentos e às lutas, são pouco conscientes das necessidades de mudança, que a juventude, hoje, é puramente consumista e nada crítica. No entanto, a realidade é outra: as formas de atuação se transformaram, e parece estar aí um dos maiores conflitos de geração da atualidade.

Como em qualquer momento da história, há uma massa jovem amorfa, mas há também uma massa jovem indignada e inconformada que atua em diversas frentes, e essa talvez seja a maior diferença entre a geração atual e a geração de jovens saída da luta contra a ditadura e pelas diretas: as diferentes maneiras de atuação na construção de uma nova sociedade.

Enquanto o jovem de hoje atua em uma ampla frente, que vai desde o engajamento em organizações não governamentais ambientalistas até a luta em grupos anarco-punks da periferia, passando pela ajuda em orfanatos ou pela militância em partidos políticos, o jovem da geração anterior via-se unido em torno da resistência ao autoritarismo estatal militarista de direita, em ações essencialmente políticas.

A diferença é que esses "ex-jovens", que hoje constituem a população adulta da sociedade, muitas vezes não consideram legítimas ou concretas a atuação dos jovens de hoje, e daí a descrença na juventude atual. Esse estereótipo, no entanto, não é de todo infundado. O que ocorre é que a alienação de parte dos jovens não está exatamente na "não-atuação", mas na forma de atuar.

Engajar-se em organizações não governamentais ambientalistas não é errado, afinal, ninguém dúvida que o meio-ambiente precisa ser urgentemente preservado. Porém, é preciso compreender que a preservação do meio-ambiente se insere em um contexto maior, do modelo de sociedade que produz e impulsiona tamanha devastação, e é essa consciência que parece faltar a esses jovens.

Da mesma forma, parte da juventude que participa de práticas solidárias como ajudas em orfanatos pensa estar fazendo um grande bem à humanidade, mas a humanidade precisa de mais do que isso. Esse tipo de prática solidária pode ajudar na tentativa de minimizar mazelas contemporâneas, mas o ciclo vicioso que cria tais mazelas aí permanece, portanto, a necessidade dessas práticas se mantém indefinidamente. A sociedade produtora de miséria não sofre nenhuma transformação.

Muitas vezes, essas práticas solidárias servem para aproximar dois mundos antagônicos separados pela luta de classes. Cria-se uma perversa dependência e proximidade entre os excluídos e marginalizados e a classe dominante, o que pode servir para refrear ímpetos de transformação e radicalização. E essa relação também acaba por fazer afagos nos corações da burguesia, num gesto de auto-afirmação de bondade e "amor ao próximo".

As questões que se colocam, portanto, são duas: como diferenciar uma atuação paliativa que reflete apenas a individualidade burguesa e sua necessidade de se sentir solidária de uma atuação que urge, de forma desordenada, por mudanças e, feita essa diferenciação, como aproximar e canalizar essa percepção desordenada de insatisfação, de injustiça e de revolta para uma atuação política mais unida, mobilizada e consciente.

Em grande parte, as formas de atuação política tradicionais, como os partidos políticos, estão desacreditadas, e em grande parte, o excesso de pragmatismo de um lado e a percepção da população de que por mais que mude a coloração partidária aí vem "mais do mesmo" de outro são os responsáveis por isso.

Além disso, globalmente há a constante passagem para um mundo cada vez mais despolitizado, distante de formas de atuação coletivas e em benefício da coisa pública, e esse é um fenômeno característico dessa globalização econômica que desvincula e deslegitima a atuação política local e de resistência, além de fazer parte do processo de blindagem de um modelo econômico que coloca cifras acima de pessoas, em que uma transnacional tem maior poder de decisão e de influência que o estado nacional – espaço público de debate e disputa de hegemonia por excelência na nação burguesa.

Atualmente, a mobilização da juventude em prol do espaço público e de uma sociedade mais justa oferece uma série de questões a serem discutidas, passando pela aceitação de um novo sincretismo nas formas de atuação, que misture diversas percepções e tendências, chegando a uma noção de uma coletividade unida e resistente, em que se possam depositar todos os graus de insatisfação, revolta, rebeldia e urgência de transformação, em um mundo que desagrega cada vez mais.

Está posto o desafio para a união de jovens e seu furor revolucionário, hoje tão disperso e pouco consciente, com a parcela da população que há anos já está engajada em movimentos de transformação.

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