14.3.08

A luta da juventude para além da universidade

Por Paulo Marçaioli

O debate sobre juventude não se restringe ao universo estudantil. E não poderia ser diferente: somente 13% dos jovens tem acesso aos bancos universitários do país. Deste universo, cerca de 30% estão nas universidades públicas¹, com seu vestibular excludente e, por isso, historicamente restrito aos filhos dos mais ricos.

Diante da lógica perversa, os jovens se vêm cada vez mais cedo obrigados a trabalhar em estágios mal remunerados, de até 9 ou 10 horas de serviço, sem qualquer garantia trabalhista. O exemplo dos estagiários de telemarketing é sintomático: câmeras de vídeo inspecionam os funcionários até dentro dos banheiros, os horários de trabalho não condizem sequer com a já frágil Lei do Estágio², o trabalhador só tem 15 minutos de almoço, rigorosamente contados para otimizar os serviços. Enquanto isso, as empresas de telefonia lucram cada vez mais sobre um patrimônio que já foi do povo.

A realidade dos jovens da periferia ainda é pior. A perspectiva de futuro dessa fatia da juventude é restrita a um universo de escolhas basicamente restrito ao trabalho violentamente precarizado (como camelôs, trabalhadoras domésticas, estagiários, motoboys etc.) ou ao mundo do crime. Os sonhos da juventude são destruídos pela realidade concreta do desemprego, da violência policial, do racismo e da opressão, fazendo com que garotos e garotas abandonem qualquer possibilidade de um futuro diferente e assumam papéis de "adulto", seja no mundo do trabalho ou no mundo do tráfico.

Como canta o Racionais MCs, para o jovem da periferia a dura realidade impõe duas opções básicas: "Viver pouco como rei, ou muito como um Zé". Nesse sentido, é preciso desmistificar frases como "aquele que se esforça, pode crescer na vida", justificativa dos capitalistas para, por exemplo, defender a barreira do vestibular como uma suposta forma mais "justa" de acesso à universidade. Por isso, para além do já reduzido número de cotas nas universidades públicas, é preciso lutar pelo fim do vestibular, através da ampla ampliação de vagas no ensino superior.

Esta é uma dentre várias outras lutas em que os jovens das periferias devem se incorporar, como forma de despertarem suas consciências e tornarem-se agentes transformadores de realidades. A luta pela extinção da FEBEM, por moradia através de ocupações ou até por questões pontuais ligadas à sua realidade mais imediata (saneamento básico, postos de saúde, escolas e creches de bairros) devem ser as principais bandeiras para a intervenção dos socialistas na periferia.

É preciso fazer o diálogo entre as questões imediatas e a sua dimensão política, traduzir problemas concretos como resultado histórico de centenas de anos de exploração e como parte de um processo, que pode ser mudado através da auto-organização popular. É preciso saber traduzir nossos conceitos e nossas idéias para uma linguagem acessível, sem jargões e vícios.

Com a juventude da periferia, a intervenção através da arte, com oficinas, teatro e música tem um potencial maior de diálogo e interação entre as contradições colocadas (assimiladas por esses jovens no cotidiano) e a sua tradução para algo compreensível (através de uma intervenção dialógica, pautada nas lutas e no socialismo, sem uma pretensão assistencialista ou de doutrinação).

Juventude Popular e a Universidade

O já reduzido número de universitários oriundos da classe trabalhadora se encontra nas faculdades particulares, onde a lógica educação-mercadoria é ainda mais forte. O número de bolsas e auxílio estudantil se baliza pelo critério do lucro máximo, assim como os abusivos reajustes de mensalidades, anuais ou até semestrais. Paralelamente, assistimos à indiferença da juventude em relação às questões políticas, ao que passa pelo mundo. O esvaziamento dos espaços de discussão e intervenção política nas faculdades particulares revela a pouca inserção do movimento estudantil (ME) nos locais onde a juventude popular e trabalhadora estuda.

Já nas universidade públicas, onde há maior tradição política, a grande maioria dos estudantes encontra-se isolada, sem refletir sobre os papéis da universidade e as razões de ser das infinitas palavras-de-ordem, jogadas ao vento, intraduzíveis àqueles que não passaram pelo crivo de partidos e forças políticas em disputa constante. Nos poucos debates, o esforço em traduzir a linguagem viciada dos "quadros políticos" é deixado de lado e, como diz o ditado, "quando dois elefantes brigam, quem sai perdendo é a grama".

Assim, temos de um lado um pequeno grupo fragmentado de militantes disputando direções, e do outro, uma "massa" indiferente a uma lógica de universidade que, num processo fabril e continuado, produz em série para o mercado, com "grades" curriculares que mais aprisionam do que libertam.

Construir pela base um ME para fora das universidades

É preciso priorizar o trabalho de base, a partir da construção de CAs e DAs, estabelecendo laços políticos cotidianos com esses novos espaços e focalizar o trabalho nas universidades particulares. É preciso fortalecer as entidades de base através de uma nova organização, que incentive a nucleação dos estudantes aos fóruns de discussão mais próximos e o despertar da consciência política. Nesse sentido, nossas lutas devem ser construídas a partir da base, para além de entidades distantes do cotidiano dos estudantes.

Construir de baixo para cima um movimento radicalmente democrático, alicerçado nos centros acadêmicos e núcleos de debate e coletivos dentro e fora da universidade significa repensar a própria dinâmica do movimento e novas formas de dialogar com os estudantes, com manifestações lúdico- culturais, místicas, oficinas e grupos de discussões. Qualificar as discussões desde a base e ampliar a inserção dos estudantes nas lutas como forma de tomada de consciência.
Construir espaços de formação ou mesmo de "despertar" político para fora da universidade, como, por exemplo, através de vivências em ocupações no campo e na cidade. Mais importante do que a disputa de direções é a auto- organização estudantil, através de fóruns de discussão e intervenção política, em aliança com outras lutas para além da universidade, no campo e na periferia!

Paulo Marçaioli é estudante da Unesp e militante da Juventude Novos Palmares

¹ http://www.comciencia.br/200405/reportagens/14.shtml
² Artigo 5º (Lei do Estágio): A jornada de atividade em estágio, a ser cumprida pelo estudante, deverá compatibilizar-se com o seu horário escolar e com o horário da parte em que venha a ocorrer o estágio.

Nenhum comentário: